quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Ser inteligente, intelectual, erudito, filosofo e sábio

Pensando cá com meus botões, identifico que dentro da cartomancia brasileira ainda há segregação entre os profissionais. Enquanto uns se degladiam sobre quem é melhor mestre ou quem interpreta melhor o oráculo em atendimento, utilizando definições muitas vezes não condizentes com o indivíduo, há também aqueles outros que querem aparecer às custas alheias e não possuem nenhum embasamento para alguma denominação determinada como "superior" aos simples leitores de cartas. Quis então procurar por definições para algumas palavras que os mesmos se determinam ou fazem de tudo para conquistar dos outros a chance de ser chamado por estas nomenclaturas.

Procurando por definições sobre o que seria alguém intelectual, inteligente, sábio, filósofo e erudito, encontrei um texto muito bem explicativo, de autoria do professor Ernesto von Rückert. Matemático, Físico e Cosmologista, professor universitário aposentado das cadeiras de Física Quântica, Relatividade, Eletromagnetismo, Mecânica Clássica e Métodos Matemáticos, além de Membro da Academia de Letras de Viçosa (ver seu profile aqui).

Reproduzirei seu texto "Inteligente, intelectual, erudito, filósofo e sábio".
(Reprodução autorizada pelo autor. Texto original - clique aqui)







"Antes de tudo devemos distinguir inteligência de conhecimento. Conhecimento é acúmulo de informação, certamente correlacionada e sistematizada. Inteligência é habilidade em aplicar o conhecimento na solução de problemas, práticos ou teóricos. A pessoa pode ser inteligente e ignorante ao mesmo tempo. Erudito é uma pessoa inteligente e de muito conhecimento, sendo, assim, capaz de argumentar, articular o pensamento, persuadir, expor uma idéia, desenvolver um raciocínio, sempre com grande embasamento. Mas o erudito pode não ser sábio.


Considero que intelectual não é apenas uma pessoa que domine vastos conhecimentos. Um médico, um engenheiro, um empresário podem dominar vastos conhecimentos sem serem intelectuais. O intelectual é aquele que tem conhecimentos mais teóricos e consegue correlacionar o saber de sua área específica com as demais áreas do conhecimento humano. O passo seguinte é ser um erudito, isto é, que domina seu campo de saber em profundidade e abrangência superlativas. Já o filósofo se caracteriza principalmente por ser uma pessoa que reflete e questiona. Normalmente ele deve ter conhecimento de filosofia e história da filosofia, e, portanto, ser um intelectual, mas não necessariamente. Alguem pode ser um filósofo sem que seja intelectual e nem todo intelectual será um filósofo. Uma característica do filósofo é seu amor e sua busca pelo saber e, mais que o saber, pela sabedoria. Erudição e sabedoria são, certamente, conceitos bem distintos.

Existem dois conceitos de filósofo. Um amplo e um restrito. Segundo o amplo, filósofo é todo aquele que se debruça sobre a realidade para refletir, questionando e buscando respostas (mesmo que não as ache). Assim, não se requer nenhum tipo formal de estudo para se ser filósofo, na concepção ampla. Na concepção restrita, um filósofo é um profissional, com diploma universitário, mestrado e doutorado na área, detentor de um amplo e profundo conhecimento de tudo o que trata a filosofia e do que disseram os grandes filósofos, aliado à habilidade de, ele próprio, fazer uso das ferramentas de raciocínio para construir sua visão da realidade, com a devida competência retórica e pedagógica para expô-la didatica e convincentemente ao público.

A erudição não atrapalha o pensamento de modo algum, como pensam alguns. Pelo contrário, desde que se entenda erudição de um modo que não seja estéril. Embeber-se de conhecimento é um fator que, para quem tenha suficiente talento, estimula a criatividade e a inovação. Não é verdade que a erudição crie amarras. Conhecer as múltiplas facetas da realidade abre os horizontes e espanca os preconceitos. Dá uma visão abrangente da multiplicidade das possibilidades a respeito de tudo e impede o fechamento em estruturas amarradas e inflexíveis. Por isso acho importantíssimo o ensino da filosofia no nível médio, para abrir a mente da juventude e criar um espírito de crítica e reflexão sobre o mundo, sem adesão incondicional aos modismos de ocasião e nem aferroamento a tradições irremovíveis. É falsa a noção de que o erudito ou o intelectual não seja uma pessoa de mente arejada e aberta a novidades ou ao inusitado. Mas certamente é uma pessoa ponderada que cotejará o novo com o que já existe e filtrará o que é válido do que seja mera vaidade. Assim estará agindo com sabedoria.

Sábio é aquele que usa o conhecimento que tem (que pode ser muito ou pouco) e a inteligência, de modo proveitoso e adequado, isto é, de modo a acarretar a maximização da felicidade do maior número de pessoas, de modo a, em tudo, ser justo, equitativo e respeitoso do direito alheio (inclusive dos seres irracionais e inanimados) e pricipalmente, agir sempre colocando a bondade como primeira prioridade. Sim, porque ser bom é mais valioso do que ser justo e honesto, pois o justo e o honesto podem ser frios e calculistas mas o bom é sempre justo e honesto, e, portanto, sábio. Se o sábio for também erudito então termos a pessoa humana com as melhores qualidades que se pode encontrar pois ela será também modesta e virtuosa em todos os outros aspectos. É o ideal do filósofo da grécia antiga ou do “santo” dos primeiros cristãos. Isso não significa que seja casmurro. Certamente o verdadeiro sábio é alegre e jovial.

Ser filósofo, poeta, artista, cientista ou, de um modo geral, intelectual ou erudito, é visto de modo pejorativo entre as pessoas menos cultas (o povão, como se diz) e, mesmo, entre as pessoas instruídas que têm uma visão imediatista da vida, como alguns empresários e técnicos. O que essas pessoas não sabem é que tudo de que desfrutam de comodidades tecnológicas e todas as conquistas sociais que lhes beneficiam, não existiriam sem o concurso dos “filósofos” e dos "cientistas". Muitos pais vêm apreensivamente os filhos se interessarem por literatura, ciência pura ou filosofia, como coisas que “não dão dinheiro”. Astronomia, então, nem se fale. Nem só de pão vive o homem! Digo mais: para se ter o pão, nesta complexa sociedade globalizada, antes de mais nada, tem-se que ter conhecimento. Outra coisa: o que seria do coitado do povo se filósofos e poetas, como Rousseau, Voltaire, Tomás Antônio Gonzaga ou Castro Alves, não tevessem bradado contra os desmandos dos detentores do poder ao longo da história. Se os empresários são a locomotiva do mundo, os intelectuais são a sua consciência. Tenho muito medo do que vai acontecer ao Brasil quando a atual geração estiver morta. Porque o pragmatismo e o desinteresse da juventude estão tão grandes que não haverá quem seja capaz de orientar os rumos da nação e nos tornaremos servos daqueles que deterão o saber. Pois saber é poder.

Concito, pois, a quem tem a prerrogativa de interferir nos rumos da juventude, isto é, aos professores, que se encham de orgulho por sua intelectualidade, mas de forma modesta e assertiva e não gabola e presunçosa, e passem aos estudantes seu deslumbramento pelo conhecimento e seu entusiasmo em fazer uso dele para mudar o mundo para melhor. E que, principalmente, busquem a sabedoria, pela prática do bem e da virtude e possam testemunhar, pela palavra e pelo exemplo, que o mundo pode ser um lugar justo, harmônico, tolerante, aprazível e fraterno, em que todos sejam capazes de prosperar de forma equitativa e a paz, a concórdia, a amizade, a diligência, a colaboração, a solidariedade, o desprendimento e a felicidade possam imperar, em lugar do egoísmo, da ganância, do ódio, da disputa e da preguiça, que só produzem dor, sofrimento, tristeza e infelicidade."

Agradeço imensamente ao professor Ernesto esta oportunidade e pelo texto.

Carolina d'Oguian








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